Se pudesses escolher uma frase, um texto, uma música ou um poema para te definir qual seria?
“Adaptar-se é preciso.”
Qual foi o maior desafio que viveste até hoje?
Já vivi alguns. Recordo, por exemplo, quando me mudei para a Alemanha há uns anos, desconhecendo a língua por completo. A minha tentativa de integração social levou-me a eliminar alguns preconceitos sobre mim, sobre o que queria fazer, e a aprender a arte da paciência. Podia falar também do momento em que me vi sozinha com a minha filha bebé, acabada de nascer, longe de tudo e de todos, só eu e ela, ali naquele quarto, numa clínica em Zug, Suíça, e perceber naquele momento que não lhe poderia faltar. Mas destaco, acima de tudo, o desafio (diário) de me conhecer, de vencer os meus medos, os meus monstros, as histórias que me conto quando me deparo com o desconhecido. É um exercício de todos os dias e faço por me recordar das conquistas até ao momento, lembrando-me dos dias em que tive receio, em que o medo quase me ganhou o jogo, mas que, com perseverança, fui ultrapassando.
E qual foi o momento mais feliz?
Quando me dizem, sem eu saber, que ajudo os outros a lidarem com os momentos menos bons, sendo uma inspiração.
Decidiste estar ligada à psicopedagogia e à parentalidade positiva porque…
A psicopedagogia veio até mim através de uma colega do secundário que integrou a primeira turma deste curso, noutra vida como costumo referir. Sempre gostei de escutar os outros e ajudá-los a ver outros caminhos, mas queria algo mais prático e, quando escutei o conteúdo do curso e li melhor sobre o mesmo, identifiquei-me logo. Quem é que, num momento da sua vida, não sentiu desajuste, crítica, vergonha, medo de não saber e querer parecer algo só para não se sentir diferente dos outros? Com a psicopedagogia pude, de certa forma, fazer as pazes com aquela menina que também teve dificuldades em aprender algumas matérias, que tinha vergonha de se expor, que queria aprender, mas não compreendia logo de imediato como outros colegas. A psicopedagogia veiculou a possibilidade de respeitar o ritmo e a forma como aprendemos, de aceitar o que somos e combater o hábito da comparação, seja pela positiva seja pela negativa. Dá-nos a oportunidade de nos focarmos naquilo que podemos fazer para melhorar, podermos olhar para o que gostamos e aplicarmos nas áreas de que não gostamos tanto e, a partir daí, criar um plano de resgate. Nesse percurso, e mais tarde também como mãe, percebi o quanto somos influenciados por uma sociedade exigente, ávida de resultados imediato e o quanto exigimos das crianças. Mesmo quando lhes desejamos o melhor, expectamos comportamentos e atitudes já de adultos, comparando-os sistematicamente aos outros, deixando-nos engolir pelo medo de não ter uma vida de sucesso, sem parar para refletir o que realmente isso significa, e, no emaranhado dos dias corridos, vamos passando isto aos miúdos. A parentalidade positiva (assente na disciplina positiva) veio refrear essa correria e ajudar-nos a colocarmo-nos (a nós, adultos) em causa, a mostrar-nos onde podemos melhorar, como podemos dizer ou pedir determinada coisa mas de outra maneira, apelando à gentileza e à colaboração dos mais novos, permitindo-lhes um crescimento e desenvolvimento saudáveis.
De que forma é que estas áreas transformaram a tua vida?
Permitiram-me olhar para mim e para a sociedade em geral. Poder contribuir para uma mudança de mentalidade e forma de estar na educação, na escola e em casa. Poder mostrar um novo caminho onde a cooperação e entreajuda podem ser uma mais valia, contrapondo o incentivo à comparação e competição vigente da educação atual que tem vindo a provocar um cada vez maior número de casos de ansiedade infantojuvenil, nunca visto anteriormente.
O que é que elas acrescentam à vida dos jovens com quem trabalhas?
Quero acreditar que os ajudo a respeitarem-se, a terem noção da sua singularidade e de que somos todos diferentes e ainda bem. Que cada um tem a sua forma de apreender o mundo e as informações que nos chegam, mas também que, se não fizermos a nossa parte, se não nos responsabilizarmos pelo que fazemos e desejamos, os resultados desejados podem não ser os que esperamos. É preciso saber lidar com a falta de vontade, a desmotivação e encontrar formas de dar a volta por cima. E que nós, adultos, estamos cá para os orientar e guiar no caminho que estão a desenhar.
Um conselho para quem quer iniciar um projeto.
Quando existe uma voz diária dentro de ti, que te faz desenhar algo que ainda não se materializou, escuta-a e baixa o volume do medo e dos “ses”. Permite que essa energia flua dentro de ti e que ganhe vida. Apontar no papel todas as ideias, mesmo as mais absurdas, não descurar nenhuma. E começar a desenhar passo a passo. Respeitar os próprios valores e o ritmo de trabalho. E não desistir, mesmo que, por vezes, a mente te devolva pensamentos que se transformam em ansiedade e medo. Confiar na intuição e persistir. É muito importante trabalhar pelo primeiro degrau da escada de um projeto, mesmo quando as vozes de fora gritam ideias diferentes.
Qual é a tua principal fonte de inspiração?
Tenho várias, e ligadas a diferentes contextos além da educação ou psicologia. Acima de tudo, a inspiração vem da beleza de se ser humilde, da sinceridade e da energia que sinto vinda de quem fala através do coração. Mas não podia deixar de agradecer à minha filha que, ao longo destes 15 anos de experiências vividas, é sem dúvida quem mais me inspira para ser melhor ser humano.
Como descreves a experiência Share inspiration @ the Table?
Adorei a experiência. Poder estar com outras pessoas de áreas tão distintas da minha, escutar as suas conquistas e as dificuldades que precisaram de ultrapassar para chegar onde se encontram hoje foi, sem dúvida, uma das melhores experiências que abracei. É uma iniciativa muito positiva, mesmo para tímidos assumidos como eu que, do nada, dão por si a falar do seu caminho e a escutar o dos outros, envolvidos num ambiente de imensa generosidade e sinceridade, podendo assumir quem se é, sem qualquer tipo de julgamento; pelo contrário, é uma iniciativa que promove a liberdade e a criatividade de seguir e acreditar mais na voz interior de cada um.
Let´s share inspiration porque…
Se calhar, acabo por repetir um pouco o que referi no ponto anterior. Porque através destes encontros surge uma força, uma coragem de seguir aquilo que faz vibrar por dentro. O mundo cá fora só tem a ganhar com pessoas que emanam uma energia positiva em cada área, onde se sentem eles próprios, onde podem realizar mais, com alma e muito coração. Pode ser um cliché, mas gostar do que se faz é um privilégio e isso tem impacto positivo nos corações de quem se toca.
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